Nômade pode ter casa?

Se você nos acompanha por aqui há alguns anos, deve saber que em 2014 vendemos todas as nossas coisas em São Paulo e fomos viver de duas malas de viagens – e dois cachorros! 😛 – pelo mundo. Ao virar nômade, todos os nossos bens, ferramentas de trabalho, roupas, sapatos e até alguns utensílios importantes precisavam caber nessas malas – o que estava ali era tudo que a gente tinha.

Corta a cena. Pula para quase dois anos depois, morando no sul da Espanha, em Córdoba. Nossa casa alugada era um frigorífico com o ar condicionado no talo, o sol lá fora fazia tudo parecer distorcido como se estivéssemos no deserto e a nossa meia dúzia de roupas no armário eram mais do que suficientes – porque a vontade mesmo era passar o dia todo numa piscina inexistente. No canto da sala, uma das nossas duas malas de viagem ficava apoiada ali, intacta. Ali dentro tinham calças jeans, casacos de inverno, coturnos, blusas de meia estação, meias grossas, sobretudos e tudo que cansamos de usar alguns meses antes, quando estávamos morando no inverno de Berlim. Eram poucas peças, mas peças de inverno ocupam um espaço gigante.

Em todas as nossas mudanças, estávamos sempre carregando duas malas. Em uma delas – e às vezes até parte da outra – eram de coisas que não usaríamos pelos próximos meses. Mesmo tendo tão poucas coisas conosco, em alguns dias a gente já se esquecia completamente do que carregávamos naquele trambolho tão pesado.

Era um saco olhar para aquela mala imensa que, naquele momento, era absolutamente inútil e só nos deixava ainda mais devagar – especialmente quando precisávamos levar ela de um canto a outro do país, arrastando seus muitos kilos entre ruas novas, carros alugados e escadarias estreitas em países desconhecidos. Adicione uma segunda mala, essa com nossas coisas do momento e, também, duas caixas de plástico enormes, duras, que não cabem uma dentro da outra, mas que precisamos para viajar com os cachorros de avião.

Essa era nossa vida daquela época.

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Quando estávamos nos mudando de Córdoba e indo para Lisboa foi a hora que a gente decidiu: chega. Não dá mais. Ou a gente compra roupas novas a cada mudança de temporada e joga fora todas as outras, ou a gente arranja outro jeito de resolver esse problema. Não dá pra ficar carregando metade de tudo que você tem só de coisas que você não usa. Se você não leu sobre o rolê ABSURDO que foi a mudança de Córdoba para Lisboa, clica aqui pra entender melhor.

Nessa hora a gente já tava choramingando e pensando: o que fazer com isso tudo que a gente tem? De repente, duas malas de viagem e duas caixas de transporte viraram “tudo isso”, sabe? Começamos a ligar os pontos, pensar em soluções, mandar mensagem para as pessoas que a gente conhecia em outros países e, quase como num passe de mágica, conseguimos voltar com o nosso apartamento de Berlim – o mesmo que ficamos hospedados na primeira vez que vivemos na cidade pelo Airbnb – para nós. Enquanto tem gente que demora meses pra conseguir alugar um apartamento em Berlim, tivemos a sorte de conversar com a moça que alugou pra gente antes e ela passou o apartamento que tanto gostávamos pra gente.

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Aí, amigos, foi só alegria. Depois de Lisboa viemos para Berlim e agora sempre que vamos para algum outro lugar do mundo, podemos deixar nossas coisas aqui e ir só com o que a gente precisa. Para Budapeste, nós fomos com uma só mala e os cachorros na coleira. Pra Tailândia vamos com só uma mochila cada um e a caixa de transporte grande para os dois. Agora temos uma casa, podemos decorar ela do jeito que a gente quiser, guardar nossas coisas e pegar só o estritamente necessário MESMO.

Depois de dois anos vivendo sem uma casa e nos preocupando com o próximo destino, a próxima hospedagem, o próximo transporte, ao invés de viver o momento ali mesmo, o fato de termos uma casa é uma das coisas mais mágicas do mundo. Porque nós temos para onde voltar. Podemos voltar para Berlim e planejar os próximos passos com mais calma. Podemos ficar aqui quando um trabalho imenso aparecer. Podemos até descansar um pouco de tantas mudanças, se a gente quiser, ficando aqui mais meses.

Faz um ano que decidimos ficar com o nosso apartamento em Berlim e, desde então, passamos mais da metade desse período fora da cidade. Já moramos em Budapeste, São Paulo e agora na Tailândia, fora as várias viagens que não seriam possíveis se a gente precisasse levar tudo conosco. Ter uma base para onde voltar fez a gente ficar muito mais tranquilo sobre o futuro, me ajudou a viver mais no presente e conseguir realmente curtir um lugar sem ter que me preocupar com a próxima estadia assim que chego em um lugar novo.

Muita gente até nos questiona se isso realmente é um nomadismo, mas, para nós, a vida nômade sempre foi sobre ter liberdade. Liberdade para morar onde quiser e quando quiser, liberdade para criar uma viagem para amanhã e poder embarcar sem se preocupar. A obrigatoriedade de termos que sempre estar com a cabeça no futuro, suando frio procurando onde ficar daqui um mês tirava essa liberdade. Por isso, resolvemos ser ~nômades com base~.

Decidir ter uma base na Europa foi uma das melhores soluções que tivemos para um problema que estava nos perseguindo constantemente. Enquanto estamos morando quase sempre em países europeus, é uma solução ótima. Não sei se essa base será para sempre ou se teremos bases por aí, mudando em cada continente, mas como eu sempre falo sobre a vida nômade, estamos testando hipóteses, porque não tem ninguém pra me dizer o que fazer ou o que não fazer nesse estilo de vida. Até o momento, essa ideia me ajudou muito a controlar minha ansiedade de pensar no próximo destino, na documentação dos cães, na hospedagem, no voo e especialmente na forma que levaríamos todas as nossas coisas.

Quando eu quiser voltar a viver sem ter uma base, sem problemas. Já fiz isso antes, sei os erros que cometemos e tentaremos fazer melhor. Se um dia quiser alugar outra casa, em outra parte do mundo, sem problemas também. Sabemos nossos erros e acertos, e aí faremos melhor.

Essa é a beleza de ser nômade, estarmos vivendo uma coisa pela primeira vez, tendo tão poucas histórias de referência: a gente precisa pensar fora da caixa o tempo inteiro. Precisamos nos desdobrar em soluções que ninguém ofereceu para nós até o momento e às vezes criar nossas próprios testes. Algumas dão certo, outras dão errado. E tá tudo certo.

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