Não sei exatamente quando a palavra feminismo virou parte do meu vocabulário. Cresci brincando com as coisas antigas do meu irmão porque elas eram mil vezes mais legais do que todas as coisas-de-menina que existiam nas lojas, como barbies perfeitas que você só podia personalizar as roupinhas ou bonecas sem graça para brincar de ser mãe. Tive tão poucas amigas meninas na vida que consigo lembrar de todas elas com detalhes – e, especialmente, de como era legal finalmente ter alguma menina pra brincar de todas as coisas que não tinham sido feitas para nós.
Passei minha adolescência rodeada por amigos homens e pouquíssimas amigas mulheres porque criei essa imagem de que meninas não eram tão aventureiras, não eram tão divertidas, não eram tão exploradoras – exatamente como os brinquedos me ensinaram e cansei de ouvir de tanta gente. Nunca fui delicada, nunca fui fofinha, nunca fui do jeitinho que todo mundo esperava que uma menina fosse. Perdi a conta das vezes que quis ser menino pra simplesmente poder curtir as coisas mais legais sem ser julgada por ninguém.
Nunca me encaixei no estereótipo de menina que todo mundo tenta enfiar na nossa goela. E sempre achei que o problema fosse eu.
Demorei 15 anos pra entender que eu podia ser menina e gostar das coisas que eu gosto sem peso na consciência. Demorei 20 anos para entender que essa pressão para ser a mocinha meiga que eu nunca fui vinha do mundo machista que vivemos. Demorei 23 anos para entender que minhas ideias sobre outras mulheres eram totalmente distorcidas porque o mundo enfiou um estereótipo tosco na minha cabeça – e a frustração de nunca me encaixar misturada a aversão das coisas fofas que tentaram me vender a vida toda só piorou tudo.
Foi o feminismo que me fez entender que eu não estava errada por ser como eu sou.
Foi o feminismo que me mostrou que outras mulheres passam pelas mesmas coisas que eu e me fez ter empatia.
Com tanta identificação, foi assim que consegui me olhar no espelho e finalmente me aceitar do jeito que eu sempre fui.
Foi o feminismo que me apresentou a palavra sororidade. Que me fez olhar com mais carinho para outras mulheres. Que me fez buscar por textos escritos por mulheres. Músicas. Filmes. Livros. Histórias. Relatos. Experiências.
Foi o feminismo que me fez começar a buscar por amigas mulheres.
Foi o feminismo que me mostrou como somos silenciadas todos os dias.
Que abriu meus olhos e me fez refletir sobre tantas coisas absurdas que vi e vivi na adolescência e achava que eram normais. Que me fez olhar de forma crítica para como tentam nos definir.
Foi o feminismo que me colocou de cara com tantas outras mulheres que não se encaixam nos padrões – e me mostrou que, ao contrário do que eu achava, a maioria de nós não se encaixa neles.
Foi o feminismo que me fez enxergar que eu não estou sozinha.
O feminismo me mostrou que eu tenho voz e que eu tenho todo o direito de usá-la onde, quando e o quanto eu quiser. Que ninguém pode ditar o que eu posso ou não posso fazer.
O feminismo me ensinou que o meu corpo é meu.
Que minhas ideias são minhas.
Que meus desejos são meus.
E que não tem nada de errado com nenhum deles.
E tudo isso me fez querer me aproximar de mulheres. Me fez querer conhecer mulheres incríveis. Ficar feliz quando falo com mulheres fodas. Valorizar o trabalho de mulheres, procurar artistas mulheres e celebrar as vitórias de mulheres porque elas também são minhas vitórias. Esse é um dos grandes motivos pelo qual eu sou tão orgulhosa que o Pequenos Monstros tem tantas leitoras incríveis nos acompanhando todos os dias.
Nós passamos por tanta merda a vida inteira que só o fato de estarmos nos comunicando, nos aproximando e nos unindo já é uma vitória gigante que merece ser celebrada todos os dias.
Se tem uma coisa que eu sou grata nesses últimos anos é que o feminismo transformou a forma que eu olho para mim mesma. Transformou a forma que eu olho para outras mulheres e para tudo que elas criam, produzem, falam e consomem. O feminismo me fez enxergar, respeitar e admirar as histórias de outras mulheres.
Me fez vê-las como semelhantes. Me mostrou que eu também faço parte de suas histórias.
O feminismo me fez mais forte e me mostrou que eu posso E DEVO fazer as coisas do meu jeito.
E eu desejo essa mesma sensação para todas as mulheres hoje e todos os outros dias do ano.